24.6.15




Essa foi uma viagem que fiz sem a Perrenguete e a trabalho na semana de 9 de Novembro 2009, mas, como pude fazer alguns passeios e tive vários perrengues, acho que ela se classifica para entrar aqui no blog.

Tudo começou ainda no Brasil, quando descobri que teria que passar uma semana na filial da empresa em Caracas, Venezuela. Pela internet vi que deveria obter um visto para poder trabalhar lá e, por isso, liguei para o consulado. Ao telefone, a informação foi uma rápida e simples orientação de ir ao consulado.

Chegando lá, num escritório completamente vazio, toquei a campainha de mesa (estilo de hotel) para obter atendimento. Um senhor apareceu e fui logo contando que eu teria que ir à Venezuela a trabalho e que eu gostaria de saber como fazer para tirar um visto. O senhor, com  sotaque espanhol, respondeu: "Viagem a turismo não precisa de visto." Acreditando haver um problema de comunicação, repeti explicando melhor que a minha empresa estava me mandando para Venezuela para trabalhar durante uma semana e que eu gostaria de obter um visto. A intrigante resposta dessa vez foi: "Viagem a turismo não precisa de visto." Como um bom entendedor, eu tentei esclarecer: "Você está dizendo que eu devo falar que estou indo a turismo para o oficial da imigração?" A resposta foi um eloquente dar de ombros e nenhuma palavra. Nem preciso dizer que voltei de lá de mãos abanando, né!


Essa história do visto já me dava algumas dicas do que eu encontraria naquele país. Além disso, eu sempre ouvi notícias de que Caracas é uma cidade perigosa e que deveria ter muito cuidado, mas eu achava que era um exagero. O primeiro aviso veio sob a forma de um e-mail da minha colega de trabalho da Venezuela, dizendo que ela já havia agendado um taxista para me pegar no aeroporto. O mais inusitado para mim foi ver, além do nome, a foto do motorista, a placa do carro, número de celular etc. Descobri que esse procedimento é necessário, pois acontecem muitos sequestros a turistas no desembarque.

Cheguei em Caracas depois das 3 da manhã. Meu motorista, igual ao da foto, estava lá com uma plaquinha me esperando. No carro, estranhei que a cidade estava toda às escuras e vazia, bem mais escura do que se espera, sem nenhum letreiro luminoso, outdoor aceso ou restaurantes iluminados. O motorista explicou que o presidente Hugo Chaves havia proibido ascender as luzes comerciais à noite para economizar energia elétrica, o que deixa a cidade ainda mais sombria e perigosa. Dali a pouco, em um viaduto, o carro fez uma leve mudança de caminho evitando uma saída na pista. Nisso, ouço uma explicação de que ele evitou sair onde deveria,  pois havia um carro parado na via e poderia ser perigoso. Concordei prontamente e disse que ele poderia dar a volta na cidade inteira se fosse mais seguro. Mas isso não foi necessário e chegamos bem rápido no hotel.

Fiquei hospedado no Gran Melia Caracas. A primeira impressão da cidade foi da janela do quarto e achei semelhante a São Paulo, com muito concreto e um céu escuro e cinzento.









De manhã fui favorecido pelo fuso horário de uma hora e meia a menos, sendo que esses últimos 30 minutos graças ao Hugo Chaves que mudou o fuso em 2008 por decreto. Minha colega venezuelana havia me orientado a não sair do hotel no fim de semana, mas o dia estava lindo e eu não tinha o que fazer de 10 da manhã até a hora de dormir. Além disso, eu não tinha nenhuma moeda local para pagar o táxi até o trabalho. Na recepção do hotel, peguei um enorme mapa da cidade e pedi para marcar alguns pontos turísticos.

A primeira coisa que eu precisava era de dinheiro local e, para minha sorte, o hotel tem uma passagem interna para o shopping El Recreo que fica ao lado e, lá, me disseram que eu deveria achar caixas eletrônicos para tirar dinheiro. O shopping é pequeno e levei minutos para ver tudo. Quando achei o caixa eletrônico, examinei todos os lados, todas as pessoas e só quando me senti seguro eu entrei e tirei um pouco. Saindo do caixa, eu me vi na porta de saída do shopping e pensei o que fazer. Vi uma fila de táxis velhos e caindo aos pedaços e lembrei a orientação de não pegar nenhum na rua. Do outro lado da rua, havia uma fila de moto-taxistas que os nativos pegavam com rapidez após uma breve negociação e não deu outra, "em roma faça como os romanos." Me aproximei de um e perguntei quanto seria para me levar até o centro. Ele disse uma quantia muito barata e me deu o capacete. Rapidamente descobri que não havia perigo nenhum de sequestro ou assalto, mas não podia dizer o mesmo sobre a integridade dos meus joelhos que passavam por um triz entre carros e ônibus num zig-zag frenético no impressionantemente caótico trânsito de Caracas.

Ao chegar ao Centro, eu já estava chocado com a decadência e pobreza da cidade. Milhares de pessoas nas ruas e calçadas e os prédios em total estado de descaso. Tinha planejado ficar por ali e fazer o resto de metrô, mas acabei ficando com muito medo de tirar o mapa do bolso e virar alvo fácil. Nisso, virei para o piloto e, antes de pagar, perguntei se ele estaria disposto a me levar aos pontos turísticos e negociamos muito rápido por um pouco mais do valor anterior. Ele ainda disse que me levaria aos melhores lugares.



(fotos: link / link)



Primeiro, meu piloto me levou até as Escaleras del Calvario, no recém reinaugurado Parque Ezequiel Zamora. No topo dos 90 degraus, pude ter uma vista panorâmica da cidade. O mais interessante, entretanto, é a infraestrutura do parque, com belos caminhos verdes, uma sala de leitura, fontes e monumentos, além de um café para comer uma empanada. 





(foto: link )






Não tirei muitas fotos, mas você pode ver ótimas fotos e mais detalhes aqui nesse site


Depois, passamos pela Plaza O'Leary, uma praça cujo destaque era sua fonte d'água. Pedi para pararmos para eu tirar fotos. O contraste da praça com os decadentes prédios residenciais chamou muita atenção.





Nessa altura, meu piloto e guia já havia virado meu fotógrafo também (apesar do medinho infundado de ele sair correndo com meu celular).

Em seguida, ele me levou ao Palácio de las Academias, uma construção colonial em estilo neogótico, bem conservada, feita para ser o convento de San Francisco. Mas, ao longo dos anos, virou a Câmara dos Deputados, depois a Universidade Central da Venezuela e, desde 1952, serve como as academias de História, Língua, Medicina, entre outros. Hoje,  também é o Museu Histórico Nacional.






Colado ao Palácio, fica a Iglesia San Francisco, erguida em 1593, famosa por ter sido onde Simón Bolívar foi declarado o Libertador em 14 de outubro de 1813.  Um fato interessante foi que o avô de Simón, Juan Bolívar,  pediu para ser enterrado na entrada da igreja para que, assim, sua alma nunca pudesse descansar em paz ao ser perturbada pelos passos da freguesia.





(foto: link)






Ao fim desse breve percurso, eu ainda tinha um objetivo final, o Teleférico de Ávila, mas ainda não tinha falado com meu piloto. O teleférico fica no Parque Nacional de Ávila, próximo ao centro, e ainda teria que pedir que ele me buscasse na volta. Negociamos que ele me deixaria e, depois de uma hora, ele retornaria para me buscar. 

O teleférico foi construído em 1952 e, na época, atravessava as montanhas até o litoral, na cidade de Macuto. Esse percurso, por estrada, leva quase uma hora. Mas, infelizmente, fiquei sabendo que não chega mais até lá, só até a montanha de Ávila, pois o resto do trajeto teria quebrado por falta de manutenção e complicações do próprio governo. 






O percurso de 3,5 km até a parada na montanha leva intermináveis 15 minutos, acho que é o mais longo da América Latina (se alguém souber me confirma aí nos comentários). 






Ao chegar, percebi que tive a sorte de haver uma espécie de feira acontecendo, havia barraquinhas de comidas e decoração típica. 







Mas o principal mesmo era a vista de toda a cidade do topo de 1100 metros acima de Caracas. 






 

Ao chegar no topo, fiquei espantado em ver que havia um enorme prédio e descobri que era o Hotel Humboldt, que estava totalmente abandonado. Sua história é complexa, mas, resumindo, o empreendimento não deu certo nos anos 80 e, depois, foi assumido pela iniciativa privada em uma concessão que foi revogada pelo governo em 2007 e nunca foi restaurado. 




Quando o horário de retorno se aproximou, desci até onde havia combinado com o moto-táxista,  no que meu medo se concretizou e o piloto não estava lá. 



(foto: link)




Bom, estava na estação do teleférico, sem querer dar muita pinta de turista, e fiz o que qualquer um faria, fiquei esperando por uma hora,  olhando para vários táxis suspeitos e pensando no risco que poderia ser encarar um deles para voltar. Lembrei que o meu piloto havia deixado um papel com seu número de celular, mas o meu não estava habilitado para poder ligar. Ali em volta havia umas lojinhas onde comprei umas fichas para o telefone público, mas não consegui descobrir como discar os números de região ou algo do tipo e desisti da ideia. Me virei para a dona da loja e, já com semblante desolador, expliquei minha situação. Para minha surpresa, ela sacou o próprio celular e discou os números para mim. Fiquei muito feliz em ouvir a voz do meu piloto do outro lado e nem dei esporro nele, que disse ter tido um problema e já estava chegando. 


Fim do perrengue, respirei aliviado e voltamos para o hotel para encerrar o dia.

O resto da semana foi super tranquilo, somente trabalhando, mas eu não poderia deixar de relatar a coisa mas bizarra que eu vi no shopping onde almoçávamos, basta ver as fotos abaixo para ver as homenagens incoerentes!







Na sexta-feira, último dia de trabalho, como tínhamos terminado antes do almoço, meus colegas venezuelanos me recomendaram ir a uma cidade chamada El Hatillo. Um lugar onde ainda é possível fazer uma caminhada por ruas estreitas e casas coloniais coloridas que abrigam lojinhas de artesanato ou restaurantes com comidas típicas. 




(fotos: link / link)




Ali,  ainda há uma paz e tranquilidade atípica em Caracas, apesar de estar a 30 minutos da capital. A cidade é um monumento nacional e parte do patrimônio cultural do país.






(fotos: link / link)




A dica foi um achado, mais que isso, foi uma salvação, como vocês verão no meu próximo perrengue da viagem. Como havia levado alguns colegas de outros países da América Latina, aproveitamos para comprar umas besteiras e jantar em um bom restaurante.



No dia seguinte, acordei cedo para pegar o voo de 9h20min da manhã de volta para o Rio, já estava com as malas prontas e ainda deu tempo de tomar o café-da-manhã antes de pegar o táxi pré-agendado para o aeroporto. 

Chegamos lá bem na hora, mas, mesmo assim, não poderia enrolar muito e fui atravessando todo o saguão do aeroporto até o check-in. Já em frente, fui me posicionando na fila quando um soldado vestido com uniforme militar me abordou e pediu que o acompanhasse. Nessa hora, eu obviamente gelei, ainda mais quando ele perguntou o motivo da minha viagem. Disse que tinha vindo para turismo e ele não disse mais nada. Andei com ele todo o caminho de volta pelo saguão, achando que perderia o voo e xingando o maldito atendente do consulado Venezuelano no Brasil. O soldado não dizia nada e eu não entendia porque ele havia me escolhido. Chegamos em uma máquina parecida com um raio-x e fui orientado a subir e ficar parado. Felizmente, nada apitou. Em seguida, ele me chamou para uma salinha. Aí, pensei: "pronto, agora vou preso..." Mas, ao entrar na salinha, ele pediu para revistar a minha mala e perguntou de novo o motivo da viagem. Mantive minha história e ele perguntou onde eu fui. Prontamente comecei a listar todos os lugares que havia visitado. O soldado me olhou surpreso e pegou um spray de barbear na minha mala. Perguntou o que era, me olhou e depois espremeu um pouco na lixeira. Depois, ele achou uma garrafa de licor que estava bem embrulhadinha para não quebrar na mala. Novamente ele me olhou, mas ficou meio desapontado ao ver que era uma bebida típica que comprara em El Hatillo. Fiquei muito aliviado com a tristeza dele ao me liberar e corri de volta para a fila do check-in. 

Só no avião é que me ocorreu que eu me encaixava no perfil dos narco-traficantes, pois estava viajando sozinho, com roupa de trabalho, pouca mala e viajando por um curto período.

Para finalizar a história, um último perrengue, o atraso do voo que me ajudou a sair da Venezuela me fez perder a conexão em São Paulo e ter que esperar algumas horas para voltar para casa. Mas não dá nem para reclamar, né?

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